Ele é um dos cinco jovens que sumiram nos últimos dias no Subúrbio Ferroviário. Três foram mortos.
Jovem sobrevivente ao lado da mãe
(Foto: Almiro Lopes) |
Cinco dias depois de desaparecer, o estudante Ruan Vitor de Souza Santana, 15 anos, reencontrou a mãe nesta terça, na Rodoviária de Salvador. Ele é um dos cinco jovens que sumiram nos últimos dias no Subúrbio Ferroviário. Três foram mortos. Ruan contou ao CORREIO que foi sequestrado e torturado, e não soube explicar como escapou com vida. Confira o que ele disse
“O espaço era apertado. Minhas mãos ficavam amarradas atrás das costas e eu fiquei a maior parte do tempo no escuro. Quando eles me tiravam da mala do carro, me levavam para uma casa simples no meio do mato. O piso era de cimento, o TELHADO mofado e eu ficava em uma cadeira de frente para uma parede azul. Me bateram bastante, mas não me fizeram perguntas...”.
Segunda Ruan concedeu entrevista ao CORREIO e narrou passo a passo como foram os dias em que passou desaparecido.
Confira o depoimento:
“Eu fui sequestrado na quinta-feira, quando eu saía da Escola Estadual Monteiro Lobado, em Vista Alegre, onde estudo. Estava caminhando quando percebi que havia um carro cinza, parecendo um Palio, parado na esquina. Quando eu passei do lado do carro, uma das portas abriu e um homem me puxou para dentro".
"Eram quatro pessoas dentro do veículo. Todos estavam armados e encapuzados. Tentei me soltar, mas não consegui. Eles arrastaram o carro e encobriram o meu rosto. O tempo todo eu perguntava o que estava acontecendo, mas eles não respondiam. De repente, eles pararam, as portas do carro abriram e os dois que estavam ao meu lado desceram. Eles tiraram o meu capuz e eu vi apenas mato à nossa volta. Amarraram minha mãos com um tiras de pano e me colocaram na mala".
"Mais tarde, eu ouvi os gritos de um rapaz. Ele perguntava o que estava acontecendo e parecia estar lutando dentro do carro. Os homens rodaram bastante, antes de parar o veículo novamente. Dessa vez, eles me tiraram da mala e me colocaram dentro de pneus. Nessa hora, vi que o rapaz que eles batiam era Rangel (Ivo Rangel Brito da Silva, 19, sequestrado no mesmo dia e vizinho de Ruan e cujo corpo foi encontrado na Estrada do CIA, no dia seguinte)".
"Nesse momento eu pensei que fosse morrer. Já estava de noite, tudo escuro ao redor e o local era deserto. Ele bateram muito em Rangel e perguntavam se ele estava envolvido na morte do policial (militar Washington Luiz Santos Cruz, 40, morto durante assalto em Paripe, na quinta-feira de manhã). Rangel dizia que não sabia de nada, mas continuou apanhando. Quando eles atiraram em Rangel, eu fiquei mais nervoso e desmaiei".
"Acordei horas depois, de novo, com as mãos amarradas e dentro da mala do carro. Quando saí de lá, tomei um susto. No começo sempre foram quatro homens, mas quando saí da mala naquele dia, tinha cerca de dez. Todos armados e encapuzados".
"O local tinha muitas árvores e mato, mas dava pra ver uma casinha no fundo. O local era simples e eu não estive em muitos cômodos, mas a casa não parecia improvisada. Tinha geladeira, mesa e outros objetos. Eles me levaram até lá para gravar vídeos e fazer fotos. Disseram para eu não ficar nervoso, nem chorar e para dizer a minha família que eu estava bem. Um dos vídeos foi divulgado (no Facebook), mas tem outros".
"Fiquei nesse local por cerca de duas horas. Fui levado de volta para a mala do carro, mas voltei depois para gravar mais vídeos. Eles me batiam, jogavam água gelada no meu rosto e davam tapas na minha cara. Não perguntavam nada, apenas me batiam. Em uma das surras, arrancaram uma peça do meu aparelho dos dentes. Pisaram no meu braço e eu acabei fraturando".
"Eles, então, me levaram para uma casa, um posto, não sei bem. Eu estava com brucutu. Alguém engessou e enfaixou o meu braço. Depois, me levaram de volta para a mala do carro. Não sei por que fizeram isso. Fiquei nessa situação até hoje (ontem) quando eles me soltaram. Eles não disseram para onde estavam me levando, mas lembro que, quando eu vi minha mãe, saí correndo e gritando por ela”.
Observações
A família de Ruan conta que os sequestradores avisaram à mãe do garoto que iriam deixá-lo na Rodoviária de Salvador por volta de 12h de ontem, mas só apareceram três depois. De acordo com o relato da mãe, um homem encapuzado retirou o jovem da mala de uma Ranger preta, próximo ao ponto de taxi da rodoviária, e fugiu.
Ruan deu seu depoimento ao CORREIO duas horas depois, na casa de parentes, que pediram para não revelar a localização. Apesar dos dias de tensão que relatou, ele aparentou tranquilidade durante a uma hora e meia em que esteve conversando com a reportagem. Nesse tempo, a mãe pediu apenas que o rosto dele não fosse fotografado.
No corpo, além do braço engessado, não havia sinais de agressão visíveis. Ele contou que os sequestradores lhe davam apenas água e permitiam que fizesse as necessidades fisiológicas. Teria passado os cinco dias, então, sem se alimentar.
Questionado sobre se conseguiria reconhecer alguma das pessoas que o sequestrou, o garoto negou, afirmando que durante todo o tempo os sequestradores permaneceram encapuzados.
Além das gravações em vídeo, os sequestradores também publicaram fotos e mensagens de texto no Facebook de Ruan. O garoto disse que os sequestradores usaram seu próprio celular, que dava acesso à rede, para fazer as postagens.
“Só eu sei o que eu passei”, resumiu, no final da conversa.
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