O jornalista e escritor Nelson Rodrigues cunhou um diagnóstico freudiano para explicar o temor patológico que a Seleção Brasileira - antes da conquista da primeira Copa do Mundo em 1958, na Suécia – demonstrava ao enfrentar grandes seleções, sobretudo as da Europa: “Complexo de vira-lata”. A imagem remonta ao nosso manso e desprezado cão de rua diante da força de um pastor alemão ou da ferocidade bestial de um pitbull. Era assim que, na opinião do dramaturgo de Vestido de Noiva, o escrete brasileiro se comportava antes do primeiro título mundial: com o rabinho entre as pernas, tremendo de medo ante equipes mais tidas como favoritas. Por muitos anos, o rótulo ficou pregado na camisa amarelinha como o escudo, agora, distante da sexta estrela.
Pois não é que esse complexo entronizado no mundo do esporte pelo nosso ‘Freud do Futebol’ e que julgávamos definitivamente fora da área da realidade da Seleção Brasileira, como uma bola espanada para as arquibancadas, parece ter retornado com a força de ciclone, na vergonhosa derrota por 7 a 1 contra a Alemanha, num semifinal de Copa do Mundo e (vexame maior) dentro de casa?
O que se viu na terça-feira no Mineirão foi um time acuado, amedrontado, tonto, grogue, desnorteado, nocauteado, indefeso como um cordeiro que se entrega docilmente ao holocausto. O velho complexo de vira-lata latindo diante de um público perplexo e incrédulo de 58.141 pessoas; ladrando num estertor como um cãozinho perseguido por uma matilha.
Ainda no calor da partida, quando os gols germânicos se encaixavam nas redes de Júlio César, com a insistente repetição de um replay, a melhor explicação que vi para a hecatombe canarinho veio do ex-jogador Ronaldo. Segundo ele, a Seleção da Alemanha tocava a bola e fazia gols como se treinasse com um time juvenil. Se dissesse “dente-de-leite”, não estaria muito longe da verdade.
Consumada a goleada, sacramentada a humilhação, a mesma imprensa que exaltava uma Seleção, até então sólida na defesa, órfão de meio-campo e pífia no ataque, decretou que chegara a hora de apontar os culpados ou “vilões”, como muitos preferem chamar no determinismo maniqueísta da crônica esportiva. Ora, porque os responsáveis pela má campanha não foram apontados no decorrer da competição quando, aos trancos e barrancos, o Brasil (já com a morte na alma) vinha galgando de fases?
Não vi ninguém questionar Felipão e a comissão técnica por não ter sacado Neymar do jogo contra a Colômbia, quando a Seleção Brasileira, mesmo sem convencer, ganhava por 2 a 0. Afinal, o craque indiscutível do time do Brasil corria o risco de levar um cartão amarelo e (como já tinha outro) ficar de fora do jogo com a Alemanha, como aconteceu, na mesma partida, com o sentimental e eficiente Thiago Silva. E, mais ainda, caçado como sempre foi em campo, Neymar se arriscava (ou arriscavam-no, melhor dizendo) a levar uma pancada e sair machucado, como, de fato, aconteceu. Pelo que me consta, na entrevista que se seguiu ao jogo, nenhum repórter perguntou a Filipão se ele não sentia uma parcela de culpa por haver mantido Neymar, que não vinha repetindo o brilho dos jogos anteriores. Claro que Felipão, com uma escalação desastrosa e uma soberba napoleônica, é o principal responsável pelo desastre da Seleção Brasileira. Seu maior castigo já está decretado pelo juiz maior, o tempo que confirma e legitima a história: será lembrado como o técnico que protagonizou a maior humilhação de uma Seleção em Copa do Mundo. Precisa mais?
Agora, é seguir em frente e enxotar o complexo de vira-lata cujo espectro passeou pelo Mineirão.
* Elieser Cesar é jornalista e escritor, autor de O Azar do Goleiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário