segunda-feira, 9 de junho de 2014

Agiotagem é Crime


agiotagem



Paulo Eduardo Fucci


Emprestar dinheiro com exigência de juros elevados na devolução e sem autorização das autoridades estatais é agiotagem. A atividade ilícita, tão antiga quanto à própria civilização, é combatida pela lei e tem no Poder Judiciário um tradicional inimigo.

Aquilo que começa na ilegalidade tende a manter ou a aumentar o grau de ilicitude. Assim, é no campo da agiotagem que mais se costuma praticar o pacto comissório nulo dissimulado em compra e venda de bem do devedor. O bem do devedor, na verdade, deveria apenas servir como garantia de restituição do valor emprestado, de modo a ser, se necessário, penhorado em processo judicial e levado a leilão, cujo resultado se reverteria para pagamento do credor na medida do necessário, cabendo eventual saldo ao devedor e até então proprietário do bem. Mas, em vez disso, o agiota formula contrato segundo o qual, na prática, o bem do devedor, normalmente de valor superior ao do montante objeto do mútuo ou empréstimo, passa a pertencer automaticamente a ele, credor, em caso de falta de pagamento no prazo convencionado.

Aquele que empresta dinheiro pode solicitar do devedor um bem como garantia de que o valor lhe será devolvido. Até aqui não há ilícito. Mas, é completamente ilegal combinar que, em caso de falta de pagamento do empréstimo, a coisa dada em garantia passe a pertencer automaticamente ao credor. Essa proibição decorre do art. 1.428 do Código Civil, segundo o qual “é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento”, preceito que se aplica a situações semelhantes e na descoberta de simulação. Trata-se da figura conhecida como pacto comissório nulo ou proibido.

Para tentar esconder o pacto comissório nulo, que seria facilmente detectável e prontamente invalidado se fosse redigido de forma manifestamente conflitante com o texto do referido artigo, inclusive com impossibilidade de registro do respectivo contrato, e evitar as formalidades e os trâmites do devido processo legal (encurtando o caminho para ser pago e evitando discussão sobre os juros aplicados), costuma o agiota simplesmente simular que compra a coisa pagando montante ao devedor e, através de documento apartado, promete-lhe vender o mesmo bem, desde que seja quitado determinado preço (correspondente à devolução do empréstimo) em certo prazo. Às vezes, insere no próprio instrumento de compra e venda ou no respectivo compromisso a cláusula de retrovenda ou de reversão da venda, para que tudo volte ao estado anterior ao do empréstimo.

A fraude à lei torna nulo o negócio assim simulado maliciosamente imposto pelo agiota e essa nulidade pode ser alegada na defesa do devedor. Recentemente essa tese foi renovada pelo eminente Ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.076.571-SP:

“É nulo o compromisso de compra e venda que, em realidade, traduz-se como instrumento para o credor ficar com o bem dado em garantia em relação a obrigações decorrentes de contrato de mútuo usurário, se estas não forem adimplidas.”

Assim como a outorga de garantia para pagamento de empréstimo, a cláusula de retrovenda não é teoricamente ilícita. Mas, como não existe crime perfeito, se o Poder Judiciário pressentir nesse negócio a dissimulação do pacto comissório nulo, não valerá a transferência da propriedade do bem ao agiota, que será derrotado em sua estratégia.

Paulo Eduardo Fucci

Nenhum comentário:

Postar um comentário