Paulo Eduardo Fucci
Assinar escritura pública definitiva de venda e compra de imóvel declarando valor inferior ao montante efetivamente pago e recebido, referido inicialmente em compromisso ou contrato preliminar e provisório, é prática corrente. Conduta arriscada, raramente seguida por ignorância, costuma mesmo ser intencional. Vários podem ser os motivos conscientes para isso. O comprador não tem fonte ou renda oficial suficiente para justificar aquisição de bem pelo valor real. O vendedor não quer pagar imposto de renda sobre o ganho de capital (diferença entre o custo da aquisição no passado e o valor atual de venda), tributo incidente em relação ao chamado lucro imobiliário. O valor inferior ao real, também, na compra e venda, reduz a base de cálculo do imposto de transmissão da propriedade, conhecido como ITBI, entre outras despesas e custos gerais.
A prática configura crime e pode gerar também penalidades de ordem tributária. Não que as secretarias das receitas federal e municipal estejam adormecidas para esses eventos, mas efetivamente o volume de negócios dificulta sobremaneira a fiscalização. A conexão dos poderes públicos com o sistema bancário tem sido mais íntima e expõe facilmente situações como essa. Os tabeliães e oficiais de cartório procuram fazer a prevenção e impedir essa conduta. O valor venal do imóvel, usado para efeito de lançamento do imposto predial, constante de cadastros oficiais dos municípios, e, mais recentemente, o chamado valor venal de referência, os quais normalmente são inferiores mas podem ser superiores ao preço de mercado do bem (tema do qual não cuidarei neste comentário), são considerados como quantia mínima a ser atribuída ao negócio ou como piso para a escritura pública para efeito de cálculo de tributos.
Há, portanto, uma série de entraves e procedimentos que desaconselham que a escritura seja celebrada por valor inferior ao real, sem contar com o fato de que aquele que aceita declarar que adquiriu imóvel por valor inferior ao que pagou, na realidade, em futura venda, terá um lucro imobiliário maior sobre o qual o seu imposto será calculado, de forma que, nessas situações, há sempre uma espécie de transferência de “ônus” (de pagar mais tributo) do vendedor para o comprador.
Mas, existem casos em que a “economia” com tributos pode ter repercussão ainda mais prejudicial àqueles que sempre buscam vantagem exagerada através desse artifício.
Sabe-se, por exemplo, que o locatário de imóvel urbano e o arrendatário de imóvel rural possuem direito de preferência na aquisição do bem objeto dos contratos, em caso de venda da coisa por parte do proprietário no curso da locação ou do arrendamento. No caso de violação desse direito de preferência, ou seja, quando o proprietário desrespeita esse direito do usuário do bem, sob certas condições o locatário e o arrendatário podem, depositando, em juízo, o preço do negócio firmado com o terceiro, fazer a sua aquisição forçada, também chamada de adjudicação compulsória do imóvel, adquirindo-o, assim, por decisão do juiz. É aqui que a escritura por valor inferior ao real pode gerar mais problemas e perda de dinheiro para o proprietário e para o terceiro adquirente, que terão seu negócio considerado ineficaz perante o titular do direito de preferência. E a manobra que foi empregada para se gastar menos pode, no final, levar ao resultado oposto.
O Superior Tribunal de Justiça traz recente exemplo disso, no julgamento do Recurso Especial nº 1.175.438-PR, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, para quem “o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis”. Segundo o que foi decidido, aqueles que participaram da venda e compra violando o direito de preferência do arrendatário não podem se valer da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória (alegando que o valor real do negócio foi outro, maior, e que o depósito judicial realizado pelo usuário do imóvel não é o bastante), “haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo”.
O Poder Judiciário poderia, até, considerar que realmente o titular do direito de preferência deve depositar o valor real comprovado do negócio, para conseguir a adjudicação do imóvel, e não o da escritura final, ao mesmo tempo providenciando para que os envolvidos na fraude sofram as demais consequências criminais, tributárias etc.. Todavia, tem optado, na maioria dos casos, pelo não menos sábio caminho de criar um desestímulo à fraude, atacando a parte mais sensível do “corpo” dos homens de negócio gananciosos: o bolso.
Paulo Eduardo Fucci
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