domingo, 30 de março de 2014
Franciel Cruz: O Vitória e as cotas da Caixa Econômica
PRISIONEIROS DO JARDIM DE INFÂNCIA
Há pouco mais de um ano, dialogava com uma professora gaúcha sobre as dores e as delícias desta besta e bela província lambuzada de dendê e de exclusão. A referida mestre, que nem bem desembarcara na Bahia, já estava estupefata com o desleixo de seus alunos – e olha que eram estudantes do Doutorado.
“Nestas primeiras aulas, quase ninguém cumpriu o combinado. E o pior. Nunca assumem a responsabilidade. Sempre têm uma desculpa esfarrapada. Parecem crianças que se recusam a crescer. Caso não mudem e cumpram com suas obrigações vou reprová-los, sem dó nem piedade”, descreveu, com um certo ar de desânimo, mas de modo firme. E, de bate-pronto, me questionou: “Como é que você consegue conviver com isto?”.
Pedi ao lerdo garçom mais uma dose de cangebrina, que, óbvio, não chegou, e falei para a moça que, antes de conhecer os pontos turísticos e outras mumunhas da capital, o visitante precisa ser apresentado a uma entidade etérea e intangível chamada “O rapaz”.
“Minha amiga, seu espanto, e de muitos outros incautos que aqui chegam, é porque vocês não foram apresentadas ao ‘rapaz’. Este sujeito é o responsável/culpado por tudo que não funciona. Assim, se o mecânico não consertou seu carro, a culpa é do ‘rapaz’ que não trouxe a chave hexagonal, o alicate, o diabo”.
Porém, antes que a professora fizesse deduções equivocadas e/ou preconceituosas, achando que esta é uma característica de uma determinada categoria, explique-lhe que o fenômeno não escolhe classe social. “Caso você vá num banco, o gerente/superintendente lhe dirá que não pode resolver seu problema financeiro porque o rapaz não apareceu para trabalhar – e o lançamento do boleto ficou travado ou algo que o valha”.
Pois então. Lembrei-me deste episódio agora por conta desta chibança entre o Esporte Clube Vitória e a Caixa Econômica Federal. Desde o início do ano o Clube não recebe a grana da instituição financeira, principal patrocinadora. E, segundo reportagem publicada no globo esporte.com tal fato tem origem na seguinte questão. “Para que o patrocínio com a Caixa fosse firmado, o Rubro-Negro precisou fazer um acordo de parcelar as dívidas existentes para, assim, receber a certidão negativa. O documento tinha validade de 19 de julho de 2013 a 15 de janeiro de 2014”.
Porém, nesta época, a diretoria, talvez preocupada em preparar o time para a gloriosa estréia na Copa do Nordeste (Vitória 0 x 3 América/ RN), esqueceu-se de correr atrás da certidão negativa que possibilitaria o início do recebimento de algo em torno de R$ 6 (seis) milhões. Com a mesma rapidez da zaga comandada por Rodrigo Defendi, só 60 dias depois do fim do prazo foi que o ágil departamento jurídico entrou com a liminar e recebeu o seguinte sabão do juiz Evandro Reimão Reis, da 10ª Vara Federal. Às aspas.
“Tal circunstância temporal leva a concluir não ser tão premente o exame da liminar já que a própria autora somente depois de quase dois meses de vencido o documento é que se dispôs a requerer em Juízo sua obtenção. Por isso, deve-se aguardar o decurso do prazo para resposta (20 dias), quando certamente haverá mais elementos para formar a convicção do magistrado”.
Pois bem, digo, pois mal. Invés de reconhecer que errou, que não entrou com a liminar na hora necessária, o presidente do Vitória vai para as rádios da vida culpar uma tal “herança maldita”.
Tenha santa paciência!!! É querer brincar com a inteligência alheia. Nem vou debater a herança deixada pelo ex-presidente – até porque todos sabem que não nutro qualquer simpatia pelo referido, que teve uma gestão marcada pela truculência, acusações de racismo, falta de transparência, entre outros pecados. Porém, a obrigação de ter apresentado liminar pelo menos 60 dias antes não era dele.
O presidente atual tá querendo ser ladino, dando uma de João sem braço e recorrendo ao velho hábito baiano de botar a culpa “no rapaz”. Porém, assim como a professora gaúcha, boa parte da consciente torcida do Vitória reprova, com veemência, estas tergiversações.
E aos míopes, que se preocupam e só enxergam as questões nas quatro linhas, não custa lembrar que tal fato, entre outros, muitos outros, tem contribuído para este início de ano tão medonho.
Portanto, presidente, é preciso assumir suas responsabilidades e sair deste jardim da infância argumentativo, pois ninguém aqui é menino. A torcida do Vitória merece e exige respeito.
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