sexta-feira, 2 de maio de 2014

Número de acidentes com ciclistas aumenta 70% e alerta também para imprudência das 'bikes'



O CORREIO foi às ruas e mostra que tem muita gente sobre duas rodas andando fora da linha. Resultado: os acidentes só crescem. 




Thais Borges (thais.borges@redebahia.com.br)

Toquinho escreveu que a bicicleta “entrou na moda para valer” em 1983. Mas a canção A Bicicleta poderia ter sido escrita agora, inspirada na nova paixão de muita gente em Salvador. No entanto, pilotar a magrela não é só sentir o vento nos cabelos: ciclista também tem que conhecer e cumprir as leis de trânsito. 

Esta semana, o desrespeito teve um desfecho trágico: o ciclista Marlos César Leite dos Santos, 45 anos, morreu depois de atropelar o estudante Glauber Santos Rocha, 27, na Ladeira do Corte Grande, no Alto de Ondina. Marlos seguia para o trabalho, quando se chocou com Glauber, que estava a pé. O ciclista caiu, bateu a cabeça e morreu no local. Segundo testemunhas, ele trafegava na contramão. 


Pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), as bikes são veículos, assim como automóveis e ônibus. Por isso, devem andar no sentido da via. Ou seja, a bicicleta que estiver sendo guiada por alguém nunca deve seguir pela contramão





Espaço de ponto de ônibus em frente à Praça Wilson Lins, Pituba, vira área de circulação de ciclistas (Foto: Evandro Veiga)


Essa é a infração mais comum cometida pelos bicicleteiros de Salvador, de acordo com o diretor de trânsito da Transalvador, Marcelo Corrêa. O CORREIO confirmou o comportamento imprudente de alguns ciclistas e os flagrou pedalando no sentido contrário em bairros como Jardim de Alah, Pituba, Rio Vermelho e Boca do Rio. 

No entanto, esse não é o único erro que os adeptos da bike andam cometendo. “Também é muito comum vermos o ciclista fazer a travessia em locais impróprios”, conta Corrêa. 

Reeducação

Na orla do Jardim de Alah, o garçom Josenildo Barbosa, 23, circulava pela contramão, na pista, apesar de estar a poucos metros da ciclovia. “Saí da ciclovia para esperar o sinal”, explica, referindo-se ao semáforo que estava a cerca de 50 metros de distância. Contudo, se ele continuasse na ciclovia, também chegaria ao semáforo. 


“Sei que é arriscado, mas tomo cuidado. Normalmente, eu ando certo. Hoje que estou incorreto”, garante. No entanto, Josenildo também não tinha os equipamentos obrigatórios: buzina, espelhos e adesivos refletivos. “A bicicleta está incorreta, mas dá para andar, né? É só para trabalhar”, argumenta.

Enquanto Josenildo conversava com a equipe do CORREIO, outro ciclista seguia pela calçada, ignorando a ciclovia bem ao seu lado.




Homem com bicicleta em via exclusiva de ônibus, sem acostamento (Foto: Evandro Veiga)



“Já fui quase atropelada na calçada várias vezes. Alguns (ciclistas) ficam correndo de um lado para o outro”, comenta a advogada Valma Calil, 60, que caminhava na orla.

Na Pituba, ciclistas usando a calçada é comum — especialmente no trecho da Praça Wilson Lins, onde a ciclovia é interrompida e só volta a existir 400 metros depois. 


No entanto, para o diretor de trânsito da Transalvador, Marcelo Corrêa, essa infração dá para ser perdoada. “O Código de Trânsito proíbe, mas não seria de bom senso estimular que o ciclista use a pista, que é mais arriscada. Nesse trecho, especificamente, não há grande demanda de pedestres”, explica. 


Mesmo assim, quem pega ônibus ali sempre diz que é preciso tomar cuidado com os mais rebeldes. “Quando vejo, já saio da frente. Alguns vêm em alta velocidade, fazendo zigue-zague”, conta a doméstica Dejislane dos Santos, 30. 

Já na Vasco da Gama, alguns adeptos do pedal são mais atrevidos. Em menos de 15 minutos, a reportagem avistou seis ciclistas circulando na faixa exclusiva para ônibus. Segundo Côrrea, isso é uma infração do CTB. 

“Mas existe uma demanda de ciclistas e eles acabam escolhendo o local mais fácil para transitar. Entre disputar o espaço com um carro, eles acabam escolhendo a via de ônibus”, pondera. 


Fiscalização

Para o fundador do grupo de ciclistas Jabutis Vagarosos e porta-voz da Associação dos Bicicleteiros do Estado da Bahia (Asbeb), Valci Barreto, o comportamento imprudente poderia ser evitado com fiscalização. 


“Deveria ter uma penalidade também, como uma multa. Só assim, porque tem ciclista que conhece as regras e não obedece. Até no nosso grupo têm aqueles que não respeitam, quando não estamos por perto”, admite. 


Enquanto isso, os motoristas precisam redobrar a atenção. Para o presidente da Associação de Taxistas do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães, João Paim, mesmo quando o ciclista é imprudente, a culpa recai sobre o motorista.


“Tem ciclista que desce a (Avenida) Paralela, à noite, na contramão. Imagine, se você está a 80 km/h e pega ele. Sempre tem alguém que ainda vai botar a culpa em você”. 


Com mais bikes, mais acidentes

Entre os meses de janeiro e abril deste ano, o número de acidentes envolvendo bicicletas aumentou 70%, se comparado ao mesmo período do ano passado. De acordo com estatísticas da Transalvador, 46 acidentes foram registrados nos quatro primeiros meses de 2014, contra 27, em 2013.


Além disso, duas pessoas morreram devido a acidentes com bicicletas este ano — em 2013, nenhum caso de morte foi registrado nos quatro primeiros meses. No entanto, segundo o diretor de trânsito do órgão, o aumento no número de ocorrências está ligado à crescente presença de ciclistas nas ruas.


“Está existindo um aumento na demanda. A partir do momento em que as pessoas começam a usar mais esse sistema, é natural que haja algum aumento no número de acidentes”, afirma Marcelo Corrêa.


“Temos um espaço que está ficando cada vez mais disputado”, pontua. Para ele, os motoristas estão mais cuidadosos com os ciclistas. “Eles estão mais atentos. Antes, muitos não viam sentido em estimular o uso da bicicleta. Hoje, com os nossos problemas de mobilidade, a bike se tornou uma alternativa muito importante e percebo que tem existido uma aceitação maior do elemento no ambiente”, considera.


Falta de regulamentação, dificulta punição

Mesmo com os flagrantes das infrações cometidas pelos usuários de bicicletas, a Transalvador não pode punir os imprudentes, segundo o diretor de trânsito do órgão, Marcelo Corrêa. “A única coisa que a gente pode fazer é orientar”, diz.


O problema é que, apesar de o CTB definir quais atitudes devem ser consideradas infrações, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) não regulamentou como deve ser realizada a fiscalização, nem as penalidades que poderiam ser aplicadas, ainda de acordo com ele. “Não podemos chegar e sair fiscalizando só porque queremos, ou não, fazer isso. É preciso estar amparado em um instrumento de ação pública que ainda não existe”, comenta.


Conforme o diretor, a legislação brasileira não trata de como fazer o atendimento de pedestres e ciclistas. “Isso também não é muito usual no mundo. São poucos os países que fazem isso, como a Suíça, algumas partes da Alemanha e os países escandinavos”.


Para Corrêa, a solução é investir em campanhas educativas, que divulguem as normas de trânsito para os ciclistas. “Temos estimulado iniciativas nesse sentido, com um trabalho feito nas escolas. O Brasil ainda está aprendendo a lidar com a bicicleta. Nos países em que a bicicleta é mais comum, a orientação é dada às crianças desde os 7 anos. Nós ainda deixamos a desejar”, admite.

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