domingo, 23 de fevereiro de 2014

A realidade sobre o IPTU de Salvador por Karla Borges

A administração fazendária, através da imprensa, insiste em afirmar para população soteropolitana que a tributação do IPTU está correta em 99,9% dos casos, causando maior indignação aos contribuintes de baixa renda que sequer possuem meios apropriados para ingressar com impugnações, visando o correto lançamento do imposto. Deve-se deixar claro que as impugnações eletrônicas só são permitidas se o requerente apresentar além da inscrição imobiliária, o seu nome, CPF e o código da web do boleto. O problema é que nem todos receberam o boleto, pois muitos tiveram os nomes dos proprietários alterados, fato que impede a revisão do lançamento pela internet. Como é possível se prever um aumento de arrecadação de mais de oitocentos milhões se de acordo com as declarações prestadas pela Secretaria Municipal da Fazenda houve um acréscimo no valor do IPTU dos imóveis residenciais de apenas 14,7%? Qual é a lógica? Qual o motivo, então, de tanta indignação por parte dos cidadãos? Será que esse universo efetivamente representa 92% dos contribuintes, beneficiando 722 mil famílias? Será que apenas 8% dos donos de imóveis têm problemas no cálculo desse tributo? Quem são os contribuintes que estão diariamente nas filas da Sefaz? Os donos de terreno ou os proprietários de pequenos imóveis? Ainda que o IPTU seja um imposto real, a obrigação de adimpli-lo é pessoal. Afinal coisa não paga tributo, quem paga é a pessoa (proprietário). Por que então a Constituição Federal estabelece no seu artigo 145 & 1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” O princípio da capacidade contributiva previsto na Carta Magna deve ser respeitado em relação a todos os impostos indistintamente instituídos pela União, Estados e Municípios, jamais desprezado. Não se trata de vontade do governo, trata-se de dever da administração pública. Nenhum trabalhador brasileiro teve aumento salarial de 14,7% nem tão pouco de 35%. Até o momento do recebimento dos boletos de IPTU ninguém tinha noção de qual seria o valor a pagar, tendo em vista que a tabela de receita só foi complementada através da Instrução Normativa 12/13 no final de dezembro. Ademais, os códigos dos novos padrões construtivos para o cálculo da área construída só foram conhecidos no próprio boleto, uma vez que os anexos da lei não os apresentavam de forma explícita. Seria interessante que o órgão municipal respondesse de forma direta se a prefeitura aceitaria desapropriar e pagar o preço por ela arbitrado aos imóveis em caso de discordância da base de cálculo. Argumentar que é possível impugnar o valor venal nesses casos, não resolve o problema de ordem prática que os contribuintes estão enfrentando: “Deixo de comer para pagar o IPTU ou corro o risco do meu nome ir para o Cadin?” Se a administração assegura que 99,9% dos imóveis avaliados pela Prefeitura estão com valores corretos, qual o motivo de tanta insatisfação? Donos de terreno? Jamais, pois esses têm um corpo de advogados capaz de reverter na justiça qualquer cobrança abusiva por parte do fisco. Entretanto, o pobre trabalhador que não tem acesso fácil ao Judiciário terá que amargar longas filas, inúmeros pedidos de revisão e por fim a inclusão do seu nome no cadastro de devedores do fisco municipal, já que os grandes proprietários ingressam logo com um mandado de segurança, visando assegurar a sua regularidade fiscal. Estabelecer travas de acordo com o tamanho do imóvel fere um princípio elementar do direito, o da isonomia. Progressividade em relação ao IPTU só pode ocorrer em função do valor venal, da localização e da utilização. Dois terrenos num mesmo condomínio com características semelhantes, mas com áreas distintas, podem sofrer variação de aumento de mais de 1000% por conta do tamanho. A progressividade já é aplicada automaticamente: quanto maior o terreno, maior o valor do IPTU, quando se multiplica pelo valor do metro quadrado. Não é admissível a imposição de travas diferenciadas em razão do tamanho, pois esse fato tem característica de uma exoneração, não prevista na legislação tributária nacional. Aspectos técnicos da lei avaliados com certa cautela comprovam que foram utilizados elementos equivocados na elaboração do projeto, inclusive na divisão dos diversos setores e zonas fiscais da cidade, culminando em inúmeras distorções na composição da base de cálculo do imposto. Acreditar que penalizar o bolso do cidadão-contribuinte de Salvador não é prejuízo é desconhecer a realidade sócio-econômica das pessoas que aqui vivem. No Direito Público só é permitido o que está disposto em lei, portanto nenhum ser humano pode confiar que o Executivo Municipal não irá promover alterações nas travas de modo a assegurar que não haja aumento nos exercícios seguintes, afinal a premissa básica inicial da reforma tributária era de que não haveria aumento de imposto, nem tão pouco de alíquota. Foi isso que efetivamente aconteceu? *Karla Borges é auditora fiscal da Secretaria Municipal da Fazenda de Salvador

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