domingo, 14 de junho de 2015

População do Engenho Velho da Federação vira refém de disputa pelo tráfico



De janeiro até o último dia 7, foram registrados 52 tiroteios na localidade, resultado da guerra entre duas facções pelo controle do tráfico
Bruno Wendel (bruno.wendel@redebahia.com.br)

“Aqui a gente toma café da manhã, almoça e janta bala”, afirmou, sem se identificar, um morador do Engenho Velho da Federação. A guerra de duas facções que disputam o tráfico de drogas na região está deixando a população refém. Só este ano, até o último dia 7, a Superintendência de Telecomunicações da Secretaria da Segurança Pública (Stelecom) registrou 52 trocas de tiros no bairro. 

Embora o ano tenha começado já com um tiroteio logo no dia 1º de janeiro, na Rua Neide Gama, às 23h42, o mês mais violento foi abril, quando foram registradas 17 trocas de tiros pela polícia. Maio registrou 12 confrontos e junho, sete, até o dia 7 – maior média diária de todos os meses. 

“Não temos paz. Se tivesse dinheiro, já tinha saído daqui há tempos”, declarou um motorista particular que mora no Engenho Velho da Federação há mais de 20 anos. “Vivemos enjaulados. Essa é a realidade. Eu tenho medo de sair. Não gosto quando meus filhos saem à noite. Meu marido chega em casa às 19h. Caso ele se atrase, ele dorme na casa de um parente ou amigo, mas não vem, com medo de ser atingido por uma bala perdida”, declarou uma agente de limpeza, casada com um cobrador de ônibus. 

Segundo a polícia, os confrontos estão acontecendo porque duas facções que controlam o tráfico de drogas em localidades distintas disputam o controle total do bairro. Neste momento, a localidade do Forno está sob domínio do Comando da Paz (CP), enquanto na Lajinha, quem dá as ordens é o grupo Caveira, aliado à facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

A Secretaria da Segurança Pública registrou, desde janeiro, cinco homicídios na região. Entre os mortos, está Wesley Lima Souza, 19 anos, baleado diversas vezes na Rua Neide Gama (Baixa da Égua), após ter sido retirado de um ônibus, no último dia 5.






Segundo a polícia, traficantes encapuzados pertencentes à facção Comando da Paz retiraram o rapaz de um ônibus na Avenida Vasco da Gama e o levaram para a Rua Neide Gama, próximo ao Conjunto Santa Madalena, onde o executaram. Ele morava na Rua Manoel Bonfim, de domínio da facção Caveira, rival do CP.

Na última quarta-feira, Railan Rosalino dos Santos Braga, 18 anos, foi morto pela Rondesp, no Vale das Muriçocas, durante uma ação de combate às quadrilhas. No dia seguinte, um grupo de criminosos incendiou um ônibus na Rua Apolinário de Santana.

Guerra
De acordo com policiais do Serviço de Investigação da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), a disputa se acirrou com a morte de Igor Mercês, que comandava a Lajinha. Igor foi morto no início do ano, durante uma emboscada realizada por Manoelzinho, integrante do próprio bando, na tentativa de se tornar o líder.

A morte de Igor e a prisão de Manoelzinho por conta do crime aguçaram os rivais da região do Forno, comandada por Tricolor e Nêgo Black. Os dois querem o domínio total de todo o Engenho Velho da Federação. “São criminosos com passagens por tráfico e são acusados de vários homicídios”, disse um agente da 7ªDP.

Por hora, ainda segundo a polícia, quem controla a Lajinha é o traficante Leonardo, o Leozinho, irmão de Igor. Ao contrário de seus rivais, que estão livres, Leonardo está preso há cerca de dois meses no Complexo Penitenciário da Mata Escura, mas isso não o impede de gerir seus negócios. 

Polícia
Titular da 7ª Delegacia, a delegada Jussara Souza reconheceu o problema na região do Engenho Velho da Federação. “É a briga pelo domínio do território. Existem incursões das polícias Civil e Militar, mas no momento em que há uma brecha, eles tocam o terror”, disse a delegada.

Segundo ela, moradores de uma localidade não podem entrar na outra, pois correm risco de morte. “Quem sofre com isso é a comunidade. Eles não querem que as pessoas passem para o lado do outro e os desavisados acabam sendo vítimas”, declarou. 

De acordo com a delegada, a polícia tem se esforçado no combate ao tráfico de drogas no Engenho Velho da Federação. Até agora, foram 24 inquéritos por tráfico e 15 por porte ilegal de armas remetidos à Justiça neste ano. “Estamos fazendo diligências para coibir o tráfico de drogas, que desemboca em homicídios e na sensação de insegurança à comunidade”, disse a delegada.

Comandante da 41ª Companhia Independente (Federação), major Mário Ferreira, também reafirmou os confrontos entre as quadrilhas. “Tem acontecido, mas não todos os dias. Há ocorrência durante uma semana, tem outras que têm duas ou três vezes ao dia. Essa realidade da localidade, que é também a do Brasil”, disse.

O major, porém, destacou que nem toda ocorrência registrada como “troca de tiros” pela polícia é efetivamente um confronto entre os rivais. “Muitas vezes, a pessoa liga para a polícia porque ouve os estalos e acha que é uma troca de tiros, mas a maioria é ‘bondes’ que entram em determinada localidade atirando para o alto como uma demonstração de força”, disse.

Ele ainda fez um apelo para que a comunidade contribua com a polícia, passando informações sobre a ação de bandidos através do Disque Denúncia, que garante anonimato. O telefone é o 3235-0000. 

Ônibus incendiado no bairro é o quinto do ano
Policiais militares da 41ª CIPM apreenderam três adolescentes com idades de 15 a 17 anos, na última quinta-feira, suspeitos de incendiar um ônibus naquele dia, no Engenho Velho da Federação. Além disso, eles teriam tentado incendiar outro coletivo no dia anterior. Os três foram conduzidos à Delegacia do Adolescente Infrator (DAI).





Coletivo queimado, na última quinta, no Engenho Velho da Federação (Foto: Mauro Akin Nassor)



Segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (Setps), desde o início do ano, já foram incendiados cinco ônibus, o mesmo número de ocorrências registradas em todo o ano passado. “Na maioria dos casos, a revolta da população ocorre por causa da violência envolvendo membros da comunidade, como no Engenho Velho da Federação”, argumentou Ângela Levita, diretora técnica do Setps. 

Segundo ela, cada ônibus custa R$ 260 mil. “É um prejuízo muito grande, e o poder público não arca”, disse. 

Segundo a polícia, o primeiro ônibus atacado no bairro foi na noite de quarta-feira, mas populares conseguiram conter o fogo a tempo. No dia seguinte, quatro homens interceptaram um ônibus que fazia a linha São Caetano/Engenho Velho da Federação quando ele passava pela Rua Apolinário Santana em direção ao fim de linha do bairro. Eles pediram que passageiros, motorista e cobrador saíssem e atearam fogo ao ônibus, que ficou destruído. Não houve feridos também. 

A ação aconteceu em represália à morte de Reilan Roselino dos Santos Braga, 18 anos, suspeito de envolvimento com tráfico de drogas, que morreu em tiroteio com uma guarnição da Rondesp, na quarta-feira. A PM informou que a guarnição trocou tiros com cerca de oito homens. Reilan chegou a ser socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde já chegou morto. 

A polícia apreendeu com ele uma pistola 9 milímetros e 37 pedras de crack, material apresentado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

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